domingo, 13 de novembro de 2016

Novidade de 10 mil anos

Em 1844, na gruta do Sumidouro, próxima de Lagoa Santa, MG, o cientista dinamarquês Peter Wilhelm Lund encontrou fósseis de homens pré-históricos. O próprio Lund, assim, relatou sua extraordinária descoberta:

“Inesperadamente, depois de seis anos de baldadas pesquisas, tive a fortuna de encontrar os primeiros restos de indivíduos da espécie humana ------- Achei esses restos humanos em uma caverna que continha, misturados com eles, ossos de vários animais de espécies decididamente extintas”. 

Havia descoberto o “Homem de Lagoa Santa. Peter Wilhelm Lund, o pai da Paleontologia brasileira, nasceu em Copenhague, em 1801, e faleceu em Lagoa Santa, em 1880. 

Viveu 45 anos, na cidade mineira, dedicando-se à pesquisa científica, em um dos mais importantes sítios arqueológicos do Brasil, por ele descoberto e ao qual deu destaque mundial. 

De constituição franzina, muito jovem ficou tuberculoso e resolveu buscar a cura da doença, com os ares dos trópicos. Veio para o Brasil em 1825, aos 24 anos de idade, já formado em universidade.  Dedicou-se à Zoologia, pesquisando em Niterói, Rio de Janeiro e Nova Friburgo. Em janeiro de 1829, retornou à Europa, quando manteve vários contatos com cientistas europeus. Em janeiro de 1833, estava de volta ao Brasil, e aqui permaneceu até sua morte. 

Após longa excursão pelos Estados de São Paulo, Goiás e Minas Gerais, chegou a Curvelo (MG), onde encontrou outro dinamarquês, Clausen, e visitaram cavernas da região, onde descobriram enormes quantidades de ossos de animais pré-históricos. 

Chegou à Lagoa Santa, em 1835, onde se fixou. 

Em carta por ele escrita, em 1842, relata ter visitado perto de 200 cavernas e ter coletado e reconhecido, só na classe de mamíferos, 115 espécies. De todas as grutas visitadas, três ficaram mais famosas, as de Maquiné, Lapinha e Sumidouro. As duas primeiras, hoje, estão entregues ao turismo. 

Na do Sumidouro, encontrou fósseis do homem primitivo. Segundo Mello Alvim, presume-se que o “Homem de Lagoa Santa” viveu da caça e da coleta de produtos silvestres. A época em que viveu foi a do Pleistoceno, variando a conclusão dos cientistas sobre a data exata da sua existência, entre 8 e 10 mil anos. 

Há alguns anos, sobre um crânio feminino, encontrado em Lagoa Santa, foi feita a reconstituição do rosto daquela nossa ancestral. O resultado causou enorme surpresa, entre os paleontólogos – o rosto de “Luzia”, pertencente a indivíduos conhecidos, genericamente, como paleoíndios, teria feição mais parecida com a dos aborígines da Austrália ou mesmo com a dos africanos, tanto que poderia ser chamada, a grosso modo, de "negróide". Já os índios atuais se aproximam mais dos povos do nordeste da Ásia, daí o nome de "mongolóide" dada à sua forma craniana. 

Pois bem, recentemente, o mistério se aprofundou.  Pequenos trechos de DNA, extraídos de esqueletos com 8 mil anos ou mais de idade, indicaram que, à primeira vista, parece que genes e fósseis humanos estão se contradizendo. Enquanto a forma do crânio dos antigos habitantes de Lagoa Santa sugere que eles eram um povo muito diferente dos índios modernos, o material genético obtido dos mesmos restos ósseos é, em sua imensa maioria, idêntico ao das tribos que ainda existem hoje. 

Os dados, intrigantes e ainda preliminares, vêm do trabalho da geneticista Andréa Ribeiro dos Santos, pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) que, há anos, usa as ferramentas da biologia molecular, para tentar entender como os seres humanos modernos chegaram à América e se espalharam pelo continente. A pesquisadora e seus colegas têm se dedicado à extração e análise do DNA de restos humanos antigos, que pode revelar uma miríade de dados interessantes sobre a história das populações, especialmente quando comparado com o material genético de povos atuais.

Recentemente, com a ajuda do antropólogo Walter Neves, da USP, a geneticista do Pará obteve amostras de DNA do célebre complexo arqueológico de Lagoa Santa, a 50 km de Belo Horizonte. A região mineira é famosa por conter o mais denso registro de restos humanos do continente americano, dos primórdios da chegada do homem por aqui. 

Imaginava-se que os habitantes antigos de Lagoa Santa, ao exibir características negróides do crânio, deveriam ser, também, geneticamente diferentes dos índios que vieram depois. Mas, após analisar mais de 30 amostras de DNA antigo da região, Andréa Ribeiro dos Santos verificou a presença majoritária de variantes genéticas aparentadas às dos indígenas modernos. Só em torno de 5% dos indivíduos de Lagoa Santa têm sequências genéticas "atípicas", sem ligação com os grupos atuais. Outra explicação possível é que, apesar da forma diferente do crânio dos paleoíndios eles, na verdade, seriam ancestrais dos índios modernos que, ao longo do tempo, teriam se tornando cada vez mais "mongolizados" na América, mudando de feição, sem perder o elo genético com seus ancestrais. Hipótese ou verdade científica, a descoberta da geneticista Andréa Ribeiro dos Santos revela-nos uma novidade. Uma novidade de 10 mil anos!

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NOVO IHGMG CENTENÁRIO
BOLETIM MENSAL
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS
Presidente 2016-2019 – Aluízio Alberto da Cruz Quintão
Editor: Fernando Antonio Xavier Brandão
Belo Horizonte, 29 de outubro de 2016                Número 02/2016

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